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Greve Política

  • baltazar29
  • 22 de mar. de 2021
  • 3 min de leitura


As greves sempre provocam certa comoção social na medida em que fazem emergir ao nível do olhar do observador comum o vulto ameaçador do conflito entre capital e trabalho que, nos dias normais, fica encerrado nas sombras. Para quem está no andar de cima, é muito reconfortante não ver e fazer de conta de não saber o que ocorre no andar de baixo. Na medida em que a tensão aparece à luz do dia, o mundo que parecia pacífico fica parecendo instável e o fenômeno, embora constituindo o regular exercício de um direito constitucionalmente atribuído, adquire a aparência de infração às regras do jogo que regulam a ordem jurídica.


Esta sensação, que é decorrência de uma visão de mundo conservadora, fica ainda mais aguda quando se cuida de uma greve de natureza política.

A legalidade da greve política dependeria da visão política do intérprete. Sem negar a razoabilidade deste raciocínio, todavia, parece-nos que as restrições a este tipo de prática coletiva constituem resquícios da cultura jurídica anterior à CF-88 e não se renovam porque a raríssima ocorrência deste tipo de evento deixa adormecido o debate respectivo. A reflexão a respeito deste tema anda um tanto esquecida, até porque, na última década, o refluxo do movimento de massas no Brasil implicou na progressiva redução do número de greves. A greve de natureza política que, de per si, já era uma ave rara, assumiu até a aparência de espécie em extinção. A retomada desta questão, todavia, nos é sugerida por recente ementa do TRT02 (processo 20258200600002005):

“O movimento de paralisação dos serviços qualificados no artigo 9º da Constituição Federal tem de estar vinculado à reivindicação contida no contrato de trabalho. Esta é a materialidade necessária, para que se possa falar em greve. Se a paralisação dos serviços ocorreu por motivação política, a “greve”, por mais justa que possa parecer, deve ser considerada materialmente abusiva’’. (AC SDC 00052/2007-9 – PROC 20258200600002005 – Nelson Nazar – Relator. DJ/SP de 02/04/2007).

Para o acórdão respectivo, o nervo da questão repousa em que “o direito de greve não pode ser utilizado como instrumento de manobra para a defesa de posições políticas ou ideológicas”.


Sob esta óptica, o interesse a ser defendido por meio da greve tem que ser contido no contrato de trabalho. Aliás, a jurisprudência sobre o tema, apesar de ser bastante escassa, bate insistentemente sobre esta tecla, como se verá no exame dos julgados mais recentes, que remontam, por sinal, há uns dez anos atrás. No TRT02, encontramos somente este outro julgado:

No ordenamento jurídico implantado pela CF-88, o cenário sofreu radical reviravolta em termos de direito positivo. A ordem jurídica, que chegava a definir como crime a greve política, optou por reger-se pela norma liberal estabelecida no artigo 9º da carta política: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. A partir de tal redação, podemos perceber os seguintes pontos centrais: a) os trabalhadores têm direito de greve para defender interesses; b) a eles incumbe decidir quais interesses devem ser objeto do exercício de tal direito.

O interesse é um desejo do sujeito jurídico. Não é aquilo que lhe é devido por lei ou por contrato, mas aquilo que o agente pretende obter em razão de considerar justa a sua pretensão. Esta nova redação tem provocado a revisão de conceitos. Veja-se, por exemplo, a clássica obra de Orlando Gomes e Élson Gottschalk, na versão atualizada por José Augusto Rodrigues Pinto:

A visão da greve exclusivamente como uma forma de desdobramento da negociação coletiva esbarra frontalmente com a atual redação da Carta Magna e, portanto, não pode subsistir. É preciso aceitar, de vez, que a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 deliberou que a greve é uma forma de pressão social que os trabalhadores dispõem para defender seus interesses e eles é que decidem quais são os seus interesses. O despertar para a Constituição, muitas vezes, é lento mas, confiamos em que tal compreensão terminará por impregnar, também, o entendimento pretoriano, da mesma forma pela qual que foi se difundindo nos campos doutrinários.




 
 
 

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